Por que a torra é a nova onda do café?

Bebida complexa esse nosso cafezinho: depois de meses sob sol, chuva e mudanças de temperatura, ele amadurece no pé, é colhido e distribuído no terreiro para secagem até se tornar um grão verde perfeito. Depois, vai para o torrador, onde o tempo e a temperatura vão permitir toda a sua transformação – é nesse processo que é possível definir o perfil sensorial da bebida. Não por acaso, é a parte do processo que mais tem atraído a atenção dos profissionais do mercado, de entusiastas da bebida e de amantes do café em geral, como eu e você.

A “ciência da torra”, a vertente do conhecimento que opera essa mágica, pode afetar tudo no que vai parar nas nossas xícaras: se a bebida vai ser forte ou suave, com pouca acidez ou uma acidez mais pronunciada, quais os aromas que vai ter.

Graças a um maior conhecimento sobre como o grão se comporta dentro do torrador, uma nova revolução afetou nosso consumo cotidiano da bebida – ainda bem!

A partir dos anos 2000, microtorrefadoras começaram a surgir (especialmente nos EUA) para trazer processos mais artesanais à bebida, cuidando de todas as etapas de produção, principalmente com relação à torra – que até então era feita de forma massificada, sem respeitar muito a seleção, a qualidade, a variedade e a procedência dos grãos – suas particularidades, enfim. Antes, café tinha que ser concentrado, amargo – quanto mais torrado, melhor, era o “gosto popular” – como defendiam os comerciantes. Mas algo começou a mudar…

Tipos de torra

Uma das principais correntes – ou seria melhor dizer contracorrentes? – modernas ficou conhecida como torra nórdica e revela um componente que até então não era tão destacado pelas grandes indústrias: a acidez cítrica elevada. A fase de desidratação é feita lentamente e há uma nítida preocupação em ressaltar notas de caramelo e alta acidez cítrica. Essa torra dá aos grãos um aspecto meio enrugado.

A terceira escola, mais científica e ainda recente, tem muita similaridade com a nórdica, à exceção da fase final, onde se busca a expansão completa dos grãos de café, que sempre apresentam aspecto liso da superfície (mais oleoso). O resultado é marcado por bebidas intensamente adocicadas, mas equilibradas porque a acidez cítrica é preservada.

A torra é o processo mais crítico, dizem os especialistas, pois é a fase em que é mais fácil estragar o café – os bons profissionais também conseguem até melhorar alguns grãos que não estão excelentes, vale dizer.

Toda precisão é pouca: um minuto a mais ou uns pontos mais altos no torrador e o café pode sofrer danos irreversíveis, que nem o melhor dos baristas pode salvar.

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Papo de mestre

Por isso, os profissionais de torra – chamados mestres de torra – se tornaram tão importantes nesse mercado. Algumas cafeterias, inclusive, possuem seus profissionais internos e suas próprias torrefadoras para controlar a forma que querem servir seu café – algo bem comum nos EUA e Europa e que tem se tornado mais constante no Brasil.

Por outro lado, no mercado mestres se especializaram para torrar os cafés de produtores e venderem direto às cafeterias – se tornaram um elo imprescindível nesse mercado e grandes responsáveis pelo que tomamos.

O grande diferencial, em geral, desses novos mestres é entender o café que têm em mãos – não apenas adotar padrões por cor/intensidade: da torra clara à torra escura. Com testes preliminares, eles conseguem chegar à torra ideal de cada tipo de grão para manter as qualidades de cada um deles, desde as notas aromáticas, corpo, doçura, aromas até o perfil de acidez.

Cafés torrando em torrador

Quanto mais entendermos de como os grãos de café se comportam sob o calor, mas poderemos acentuar algumas características aromáticas e sensoriais do café, dando mais personalidade à bebida. E aí, o método, no final, do coado à aeropress, da Pressca ao espresso, fica à escolha de cada um, sempre em busca de uma ótima experiência.


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Rafael Tonon é jornalista especializado em gastronomia e amante (e produtor) de café. Escreve para diversos veículos no Brasil e no exterior sobre comida, bebidas, tendências e boas xícaras. É colaborador do Eater (www.eater.com), o maior portal de gastronomia dos EUA, e também escreve para veículos especializados em café, como a cultuada revista nórdica Standart.