Já batemos nessa tecla aqui nesse espaço: o café, tal qual outra bebida que consumimos por puro hedonismo (uma tentativa absoluta de ter algum prazer nesse mundo de tantos desprazeres), pode nos remeter a muitas sensações diferentes. Memórias gustativas (e afetivas) das tardes na casa da avó, um sabor meio amargo daquele antigo emprego do qual não se gostava muito (e que se soma ao café ruim da máquina que tinha na frente da sala do RH), as doces lembranças de uma viagem à Itália. As xícaras de café que nós tomamos diariamente (no nosso caso, algumas vezes ao dia) podem nos trazer sensações muito diversas – cada uma à sua maneira – e estão ligadas a boas (ou más) emoções que elas são capazes de nos remeter.
Para além de aromas e sabores, a pesquisadora brasileira Emilia Ricardi acabou de realizar um estudo para tentar relacionar as principais emoções que uma xícara de café poderia evocar na cabeça de consumidores da bebida. Se existe todo um glossário de notas aromáticas para definir um café (a roda de aromas da Specialty Coffee Association of America, a famosa SCAA, elenca 110 notas de descrição para a bebida), de “frutado” a “herbal”, por exemplo, passando por tantos outros termos, por que não ter um banco de sensações catalogadas para definir a experiência de tomá-lo?
Para resumir bem: Emilia propôs sete tipos diferentes de cafés (entre tradicionais, superiores e gourmet – todos encontrados em supermercados) para 124 voluntários, todos consumidores da bebida, de idades entre 20 a 49 anos, e pediu para que eles relacionassem palavras que vinham às suas mentes quando provavam cada um deles. Para facilitar a tarefa, ela elencou 36 termos (entre “satisfeito”, “feliz”, desperto”, “relaxado”, entre outras) que saíram de uma pesquisa prévia feita com 60 outros voluntários e mais outras 10 palavras-sensações que a pesquisadora pinçou de estudos semelhantes realizados nos Estados Unidos.
O estudo, desenvolvido para seu mestrado na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, dividiu três grupos de consumidores: os que preferem cafés mais fortes, um grupo que prefere cafés de torra média, e um terceiro grupo que aceita diferentes tipos de cafés. “Os resultados foram avaliados a partir das relações das emoções com as amostras de cafés, para cada um dos clusters de consumidores identificados”, ela explica.
Segundo a pesquisadora, os cafés tradicionais foram os mais bem aceitos, levando a maior índice de emoções positivas, como “feliz”, “energizado”, “acordado”. “Sabemos que isso está relacionado ao hábito – as pessoas preferem o que estão habituadas a consumir, por isso preferem o tradicional, que tomam desde pequenas, e muitas ainda ‘estranham’ o café especial”, diz. Mas os brasileiros têm uma relação muito positiva com o café – maior que os americanos, segundo os estudos com os quais Emilia comparou.
Com relação ao grupo que preferiu os cafés superior ou gourmet, ele era majoritariamente composto de pessoas com idade até 29 anos (correspondendo a 80% do grupo), o que foi revelador, segundo a pesquisadora. “Podemos dizer que o contato com novos cafés está influenciando o gosto /hábito desta geração, fazendo com que os jovens preferem os cafés superiores/gourmet aos tradicionais”, explica. Já os consumidores que preferiram os cafés tradicionais relacionaram termos emocionais principalmente ligados a sensações de experiências do passado, como “nostalgia” e “saudade”.
“Isso é o que se vê em muitos estudos recentes sobre o café, que afirmam que os jovens das áreas urbanas e das classes econômicas mais altas buscam produtos diferentes para novas experiências sensoriais”, acrescenta Ricardi. Isso significa que os cafés especiais não apenas produzem novas descobertas sensoriais para os consumidores mais jovens, mais abertos a novas experiências, mas também despertam neles novas sensações que as xícaras que ficaram nas memórias afetivas da casa da avó já não podem oferecer. Isso nos traz um novo glossário não apenas de palavras, mas principalmente de sensações de paladar e de emoções que uma simples xícara de café pode despertar. Alguém aí tinha dúvida disso?
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